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quinta-feira, 13 de novembro de 2025
Safaris Humanos, crônica da Barbárie: Entre Sarajevo e Gaza
Sarajevo, início dos anos 1990. A cidade que antes pulsava com música, literatura e cafés que reuniam intelectuais, tornou-se o império do medo. O cerco durou quase quatro anos: ruas viraram corredores da morte, mercados se tornaram alvos, e cada travessia era uma roleta russa contra franco-atiradores escondidos nas colinas. Mais de onze mil pessoas morreram, muitas delas apenas tentando buscar água ou pão.
Mas como se a guerra não bastasse, surgiu o espetáculo mais cruel: os chamados “safáris humanos”. Estrangeiros ricos pagavam pequenas fortunas para serem levados às colinas e, de lá, atirar em civis indefesos. Não havia ideologia, não havia causa política. Apenas o entretenimento macabro de transformar a dor em espetáculo. A vida, reduzida a alvo.
Décadas depois, em Gaza, a cena se repetiu sob outra forma. Correspondentes estrangeiros relataram moradores de cidades israelenses próximas que subiam às colinas para assistir aos bombardeios, como quem assiste a um show. Cadeiras de praia, binóculos, lanches. A guerra convertida em evento público. E, em meio à fome, multidões de palestinos que buscavam alimentos foram recebidas com tiros, transformando a necessidade em sentença, num safari desumano permeado de crueldade.
Em Sarajevo, diversão. Em Gaza, controle e intimidação e escárnio. Mas em ambos os casos, o mesmo efeito simbólico: a banalização da vida. A violência convertida em espetáculo, a dignidade humana caçada como um animal selvagem.
Stefan Zweig dizia que os livros existem para nos defender da transitoriedade e do esquecimento. Diante da repetição destes acontecimentos, parece que o mundo escolheu esquecer. O “safári humano” e os tiros contra famintos são testemunhos de que a barbárie não é exceção: ela se repete, muda de cenário, mas mantém o mesmo roteiro. Não podemos permitir o esquecimento, nossas vozes precisam se fazer ouvidas. Não sem razão foi um escritor e jornalista italiano, Ezio Gavazzeni, quem denunciou a prática em Sarajevo.
Hoje, tribunais investigam, jornalistas denunciam, e a memória tenta se recompor. Mas a pergunta permanece: o que fazemos da dor alheia? Transformamos em notícia, em espetáculo, em silêncio? Sarajevo e Gaza nos lembram que o reverso da existência não é apenas a morte, mas a indiferença.
Stefan Zweig: O Último Humanista da Europa Perdida
“Os livros são escritos unicamente para, acima de tudo, unir os seres humanos e, assim, nos defender do inexorável lado oposto de toda a existência: a transitoriedade e o esquecimento.” Essa frase de Stefan Zweig traz embutida uma verdade provocadora. Quem foi esse escritor e qual o seu legado?
Transitoriedade é a ideia de que tudo o que existe está sujeito ao tempo, à mudança e ao fim. Nada permanece eternamente igual. Heráclito (pré-socrático), afirmava: “Tudo flui” (panta rhei). A transitoriedade é a essência da realidade: nada é fixo, tudo está em constante transformação. Já Heidegger pontuava que: o ser humano é um “ser-para-a-morte”. A consciência da transitoriedade dá autenticidade à vida, pois nos lembra que cada instante é único.
Já o esquecimento é a perda da memória, o apagamento daquilo que foi vivido ou pensado. Nietzsche: fala do “esquecimento ativo” como algo necessário para viver, pois sem esquecer não poderíamos suportar o peso do passado. Mas também alerta para o perigo do esquecimento histórico, que apaga lições fundamentais.
Destarte, Zweig nos afirma que os livros, a literatura, nos unem enquanto seres humanos e por isso nos defendem da transitoriedade e do esquecimento. Elementos esses que são o lado oposto de toda a existência.
Em sua obra autobiográfica “O Mundo de Ontem”, escrita pouco antes da morte, Stefan Zweig descreveu a Viena de sua juventude como um lugar de esplendor cultural, onde a música, a literatura e a ciência conviviam em harmonia. Era, segundo ele, uma época em que se acreditava no progresso contínuo e na paz duradoura. Mas esse mundo, que parecia eterno, desmoronou diante da barbárie das guerras e da ascensão do nazismo.
“Nunca antes a geração jovem acreditou tão firmemente na continuidade e na indestrutibilidade daquilo que lhe era dado.” (O Mundo de Ontem)
Essa frase revela a nostalgia de Zweig por uma Europa que se perdeu, um continente que trocou a confiança no futuro pela violência e pelo ódio.
Nascido em Viena em 1881, Zweig foi um escritor cosmopolita, traduzido em dezenas de línguas e lido em todo o mundo. Mas sua trajetória foi marcada pelo exílio: Londres, Nova Iorque e, finalmente, o Brasil. Em Petrópolis, escreveu “Brasil, País do Futuro”, obra que expressava sua esperança em um novo horizonte cultural. Ainda assim, o peso da guerra e da destruição da Europa o mergulhou em um estado de desesperança.
Em 1942, junto de sua esposa Lotte Altmann, decidiu pôr fim à própria vida. Sua carta de despedida falava de gratidão ao Brasil, mas também de uma dor irreparável diante da ruína de sua pátria espiritual.
Zweig via os livros como fragmentos do infinito, pequenos pedaços de uma totalidade maior. Para ele, a literatura era ponte entre povos, guardiã da memória e resistência contra a barbárie. Suas novelas psicológicas — “Carta de uma desconhecida”, “Amok”, “Novela de xadrez” — revelam a fragilidade humana diante da paixão, da solidão e da obsessão. Suas biografias — “Maria Antonieta”, “Maria Stuart”, “Erasmo de Rotterdam” — são retratos que unem rigor histórico e sensibilidade literária.
Mais do que narrativas, seus textos são testemunhos de uma época em que a cultura parecia capaz de salvar o mundo.
Stefan Zweig permanece como símbolo de um humanismo cosmopolita. Sua obra nos lembra que a cultura é frágil, mas também essencial para a sobrevivência da humanidade. Ele foi, em muitos sentidos, o cronista da perda: da Europa que acreditava no progresso, da confiança no futuro, da paz que se desfez.
“Cada sombra é, em última análise, filha da luz.” (O Mundo de Ontem)
Essa frase resume sua visão: mesmo diante da escuridão, a memória da luz permanece. Zweig nos deixou não apenas livros, mas um testemunho pungente de que a literatura pode ser refúgio, resistência e esperança.
Stefan Zweig foi mais do que um escritor: foi um intérprete da alma humana em tempos de crise. Sua vida e obra nos lembram que o “inexorável reverso da existência” — a morte, a perda, o fim — só ganha sentido quando contraposto à beleza da cultura e ao poder da memória.
Ao dizer que os livros nos defendem da transitoriedade e do esquecimento, Zweig aponta para o papel da escrita como memória coletiva: aquilo que resiste ao tempo, preserva experiências e impede que vidas e ideias desapareçam no silêncio da história.
Em resumo, Zweig enxerga a literatura como um ato de resistência contra o esquecimento, uma forma de eternizar o humano diante da finitude inevitável.
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