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domingo, 8 de junho de 2025
A literatura brasileira e a sua cara
Qual é a cara da literatura brasileira? Como estamos produzindo no campo fértil da literatura? Essas são questões de grande relevância porque tratamos de uma das mais poderosas armas de transformação de que dispõe a humanidade.
Em artigo na Folha de São Paulo de 07 de junho do corrente ano, que discute a predominância do conteúdo sobre a forma na literatura brasileira contemporânea, a autora, Walnice Nogueira Galvão, destaca o impacto do movimento social em torno da negritude, evidenciado na lista dos melhores livros do século. A Folha convidou cem pessoas para indicarem, cada uma, dez livros que não poderiam ficar de fora de uma seleção que reunisse o melhor da literatura brasileira do século 21. Ela observa que essa tendência se estende à ficção, ao ensaio e às artes, servindo como uma reparação simbólica aos males históricos da escravidão e sua emancipação problemática, o que eu concordo.
Entretanto, Galvão aponta um paradoxo: enquanto a temática da negritude domina, outros temas relevantes, como o feminismo, a cultura indígena e questões queer, aparecem de forma muito menos expressiva. Esse desequilíbrio levanta questionamentos sobre a influência dos editores e do mercado literário nas escolhas dos leitores.
Por fim, a autora sugere que essa ênfase excessiva no conteúdo pode estar desviando a literatura de sua natureza artística e experimental, aproximando-a do entretenimento, o que é uma lástima. Ela especula se essa mudança está ligada ao aumento do interesse pela biografia dos autores, em detrimento de sua obra.
A literatura, em sua essência artística e experimental, busca transcender o simples ato de contar histórias e se tornar um espaço de inovação estética e reflexão profunda. Segundo Walnice Nogueira Galvão, há uma preocupação crescente de que a literatura brasileira esteja se afastando dessa essência ao priorizar o conteúdo sobre a forma.
A literatura experimental, por exemplo, desafia convenções tradicionais, explorando novas estruturas narrativas, estilos e até formatos visuais. Autores como James Joyce e Virginia Woolf revolucionaram a escrita ao brincar com a linguagem e a percepção do tempo.
O risco de uma literatura voltada apenas para o entretenimento é que ela perde sua capacidade de provocar e desafiar o leitor. A experimentação literária permite que a arte se reinvente, criando novas maneiras de expressar ideias e emoções, isso é fundamental e necessário.
A verdade é que o Brasil nunca teve um escritor laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, apesar de algumas indicações ao longo dos anos. Entre os brasileiros que já foram considerados para o prêmio estão Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Érico Veríssimo e Clarice Lispector.
Uma das razões apontadas para essa ausência é a falta de apoio institucional e reconhecimento internacional, a falta de apoio é uma vergonha, leva entre outras coisas à falta de reconhecimento. Diferente de países como a Noruega, França e Estados Unidos, o Brasil não tem uma tradição forte de promover seus escritores globalmente. Além disso, a língua portuguesa tem menos alcance internacional, o que dificulta a visibilidade dos autores brasileiros.
Outro fator mencionado é a falta de consenso interno. Segundo relatos, quando um escritor brasileiro é indicado, há pouca mobilização nacional para apoiá-lo, ao contrário do que acontece em outros países, perdoem-me dizer é o “complexo de vira-lata” e a inveja que predominam.
Também é verdade, que a literatura brasileira tem sido criticada por sua falta de conteúdo universal, além disso, há um debate sobre a posição do Brasil na literatura mundial. Alguns estudiosos apontam que a literatura brasileira ocupa um lugar periférico no cenário global e enfrenta dificuldades para se inserir em um discurso mais universal. A falta de um projeto amplo de interculturalidade literária no ensino também contribui para essa limitação, já que a formação dos leitores brasileiros tende a ser mais voltada para produções nacionais e menos para um diálogo com outras tradições literárias.
Por outro lado, há iniciativas que buscam ampliar essa perspectiva, como a literatura periférica, que desafia barreiras e propõe uma visão mais universal da experiência brasileira.
O conteúdo universal na literatura refere-se a temas que transcendem fronteiras culturais e dialogam com questões humanas amplas. Alguns exemplos incluem:
• Identidade e pertencimento: A busca por identidade, seja individual ou coletiva, é um tema recorrente na literatura mundial. No Brasil, autores como Machado de Assis exploraram essa questão em obras como Dom Casmurro.
• Conflitos sociais e desigualdade: A literatura brasileira frequentemente aborda desigualdade racial, social e econômica, temas que ressoam globalmente.
• Amor e relações humanas: As complexidades do amor, da amizade e da família são temas universais. José de Alencar e Clarice Lispector exploraram essas dinâmicas em suas obras.
• Memória e história: A literatura brasileira dialoga com eventos históricos e suas consequências, como a escravidão e a ditadura militar, conectando-se a narrativas semelhantes em outras partes do mundo.
• Natureza e meio ambiente: A relação entre o homem e a natureza é um tema global urgente.
A literatura tem um papel fundamental na provocação de reflexões profundas no leitor, indo além do entretenimento e estimulando o pensamento crítico. A literatura de reflexão é um gênero que busca explorar questões filosóficas, sociais e existenciais, levando o leitor a questionar suas próprias crenças e valores.
Algumas das principais características desse tipo de literatura incluem:
• Temas universais: A busca pela verdade, a moralidade, a liberdade e a solidão são questões que transcendem culturas e épocas.
• Narrativas desafiadoras: Obras como A Metamorfose, de Franz Kafka, e O Estrangeiro, de Albert Camus, fazem o leitor refletir sobre identidade e o absurdo da existência.
• Uso de simbolismos e metáforas: Autores frequentemente utilizam camadas de significado para enriquecer a experiência de leitura.
• Exploração da condição humana: A literatura pode ser um espelho da alma, ajudando o leitor a compreender melhor a si mesmo e o mundo ao seu redor.
A literatura que provoca reflexão profunda não apenas informa, mas transforma. Ela desafia percepções, estimula o autoconhecimento e pode até influenciar mudanças sociais.
Por último gostaria da abordar a questão da forma que segundo a autora falta na literatura brasileira, pois prioriza-se mais o conteúdo. A forma na literatura refere-se à maneira como uma obra é estruturada, estilizada e apresentada artisticamente. Enquanto o conteúdo trata do que é dito, a forma se preocupa com como isso é expresso. Alguns elementos essenciais da forma incluem:
Estilo e linguagem: O uso de metáforas, simbolismos, ritmo e sonoridade na escrita.
Estrutura narrativa: A organização dos eventos, como narrativas não lineares, fluxo de consciência ou múltiplas perspectivas.
Experimentação estética: Inovação na construção textual, como o uso de fragmentação, poesia visual ou jogos de palavras.
Trabalho com o significante: A preocupação com a materialidade da linguagem, indo além do significado imediato das palavras.
É isso, é arte, a literatura de ficção é um instrumento de transformação, um poderoso instrumento, temido, amado e odiado, não é à toa que livros foram destruídos por regimes autoritários em diferentes épocas e ainda são. Além do que em nossos dias as tentativas ou a consumação de censura tentam eliminar aquelas obras tidas como mais nocivas para o sistema. Não é à toa que sociedades desiguais mantem modelos educacionais que não valorizam a literatura, não incentivam crianças e adultos a lerem, antes os condenam a uma vida de analfabetismo ou analfabetismo funcional com modelos educacionais aviltantes, portanto bem distante dos livros.
É preciso que se diga e repita e se combata a triste realidade brasileira. Em nosso país a desigualdade socioeconômica, leva a uma grande disparidade no nível de leitura entre jovens de alta e baixa renda. “A OCDE aponta que a capacidade de leitura dos jovens brasileiros é fortemente influenciada pelo status socioeconômico”. (OCDE. Relatório de educação, Paris: OCDE, 2023), não sem razão, o baixo nível de ensino das populações mais pobres e a falta de incentivo à leitura, fazem da questão uma questão estrutural, o que vou chamar de “aliteratura” ou “anliteratura” estrutural.
Esses dados reforçam a tese que defendo de que a literatura de ficção serve para transformar o ser humano e que o ser humano uma vez transformado, transforma o mundo. Por isso ela é temida, porque nos faz pensar, constrói o conhecimento, a literatura de ficção transforma as nossas certezas em incertezas, abala nossos alicerces, provoca nossa reflexão, faz perguntas muito mais que dá respostas, faz-nos refletir sobre a vida e o seu sentido, mexe com os nossos preconceitos, desconstrói nossas convicções. Eu me atrevo a dizer que a tese de Paulo Freire que afirma que o conhecimento não deve ser passado, mas construído no aluno, central em sua pedagogia, ou seja, um processo dialógico e participativo, onde o aluno é um sujeito ativo na construção do conhecimento, pode ser aplicado no entendimento do processo da literatura de ficção. O livro dialoga com o leitor, da mesma forma que Freire suscita que o professor deve dialogar com o aluno para que o aprendizado ocorra de forma interativa, porque o livro é problematizador que não transforma o leitor em um recipiente vazio a ser preenchido, como Paulo Freire critica na forma de ensino convencional. Viva a literatura brasileira e a sua capacidade de se reinventar, o que é urgente.
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