A articulista Ligia Dinis, da folha de São Paulo, ao
publicar um artigo crítico sobre o livro Factótum, de Bukowski, menciona que a
tradição literária moderna, masculina e ocidental nos deixou duas grandes
lições a respeito da relação entre a lucidez com que se encara o mundo e o
estado de espírito resultante disso. A primeira, já um tanto problemática, é a
de que o sujeito que encara os horrores do mundo de frente, com inteligência e
sem covardia, é inevitavelmente um melancólico. Melancolia é uma tristeza
profunda e permanente. A melancolia é bastante comum entre os artistas que são reconhecidos,
como pessoas notoriamente mais sensíveis que as demais. O mundo no qual vivemos,
nos dá razão de sobra para sermos melancólicos, isso não podemos negar e não é
preciso divagar muito para entender que a vida causa dor, impossível ficarmos insensíveis
a tanta injustiça e sofrimento. Por isso, encarar o mundo de frente, apesar da
dor, é o que se nos apresenta para podermos justificar o privilégio da existência.
Do contrário acabaríamos consumidos pelo álcool, drogas ilícitas, depressão, inação
ou suicidando-se como Ernest Hemingway e tantos outros escritores fantásticos. A
segunda, realmente danosa, é a de que basta ser melancólico para se passar por
lúcido, inteligente e corajoso e na opinião dela, da Ligia, Charles Bukowski é
um dos propagadores dessa grande bobagem. Duas questões se nos apresentam, a
primeira é se o mundo entristece ao ponto de nos tornarmos melancólicos e se
esse é um desiderato inevitável para o homem, e a segunda é se a melancolia é necessária
e nos conduz à reação. A primeira entendo que sim, mas não necessariamente
devemos reagir nos entristecendo, renunciando à alegria de forma permanente, e à
segunda entendo que com base na primeira resposta viver triste não é implacavelmente
inevitável. É preciso dizer que a felicidade humana será sempre relativa e não absoluta.
Portanto, não basta sermos melancólicos para sermos lúcidos,
inteligentes e corajosos, vale dizer não basta sentirmos as dores do mundo, antes
é preciso sermos reativos, que é um adjetivo referente àquilo que produz
uma reação. No âmbito específico da química, um reativo é uma substância que
permite revelar a presença de uma outra substância diferente e que, através de
uma interação, dá lugar a um novo produto. Transportando para a vida humana essa
lição da química, ao nos depararmos com a melancolia devemos utilizá-la como
reativo, que detectando o que há de ruim, injusto e miserável, a nossa volta e além,
faz-se da luta um fator de transformação
A melancolia é um sinal de lucidez, que somada à coragem e à inteligência, transformará o mundo em que vivemos em um mundo melhor, ainda que
nossa contribuição seja pequena, ela se somará aos outros milhões de outros esforços,
logrando atingir o objetivo de transformação que tanto almejamos. Portanto, não
ao conformismo, não à procrastinação, não à indiferença, não à banalização do
mal. Sim à felicidade de servir, para fazer a diferença e transformar.
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