quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Vida e dor

Todos nós gostaríamos em algum momento, acredito, que existisse uma pílula qualquer, uma coisa milagrosa que acalmasse a dor existencial, que nos fizesse aceitar os amores perdidos, os sonhos despedaçados, que as pessoas que amamos e estão longe ou se foram para sempre, não pertencem a nós. Um medicamento, algo que minorasse a dor de amar sem ser amado, ou nos devolvesse a esperança que foi perdida, trouxesse de volta a juventude, sem nos subtrair a sabedoria conquistada a alto preço. Que nos fizesse sofrer menos com a violência deste mundo, a qual assistimos diariamente ou vivemos na carne. No entanto, necessito lembrar a história da lagosta que possui um exoesqueleto rígido, composto principalmente de quitina, as lagostas passam por processos de muda no qual rompem a carapaça antiga e formam uma nova com acréscimo de tamanho. Imagine se no mundo da lagosta ela pudesse fazer uso de medicamentos, então quando ela sentisse essa dor do crescimento, ela tomasse um Rivotril e amenizasse esse desconforto, ela não cresceria, ficaria encolhida em algum lugar até passar o efeito do Rivotril e quando passasse tomaria outro e outro assim até quem sabe explodir e morrer. O mercado está cheio de pílulas paliativas, leia-se destrutivas, que inibem nossos receptores, nos tornam dependentes e depois que o efeito passa a realidade volta como uma bigorna sobre a cabeça. O que falar das drogas ilícitas, alienantes, que conduzem a uma doença incurável, progressiva e fatal? O que falar do álcool, a que tantos gênios ou não, se entregaram ou se entregam na busca de alívio e acabam pondo fim à vida porque entre um gole e outro vem a sobriedade, a realidade, a síndrome de abstinência e o poço novamente? Mas existe também, além das drogas, a alienação mental provocada pelo egocentrismo, a pessoa ignora propositadamente as mazelas do mundo, se omite, torna-se insensível e menospreza a empatia, o mundo está cheio dessas pessoas, não é à toa que estamos como estamos. Não, não existe tal remédio, fiquem certos disso. Mesmo que ele existisse não deveríamos usá-lo, lembrem da lagosta. A única solução é vivenciarmos a dor, encará-la de frente, não termos apego a ela, nem repulsa, ela é um instrumento de crescimento e fortalecimento, é a dor um mecanismo que nos permite expandir nossos níveis de consciência e nos sublima, nos fortalece. Ela é um instrumento valioso. “Todos os medos que os seres humanos sentem possuem duas raízes bem definidas: o apego e a ignorância. O apego nos torna vulneráveis porque implica fixar nossa mente, nossas emoções e nosso desejo em algo externo. Naturalmente, isso envolve uma primeira forma de medo: a de perder aquilo a que estamos apegados. A ignorância, por outro lado, nos submerge em um estado de incerteza e dúvida que facilita o aparecimento do medo. A incapacidade de reconhecer o risco ou o perigo de maneira precisa e de entender qual é o caminho para enfrentá-lo nos leva a nos sentirmos invadidos pela insegurança e pelo medo. Em geral, chamamos de sofrimento tudo aquilo que causa um desgaste extremo do sistema nervoso, produzindo um sentimento desagradável e agonizante. Envolve deficiências, limitações e frustrações ou desejos insatisfeitos. Pode ser muito intenso e, nesses casos, chega a nos invadir e a paralisar outros aspectos do nosso ser. A maneira de superar o medo de sofrer, é trabalhar o nosso crescimento espiritual. Quando nos colocamos em uma perspectiva na qual tudo o que nos acontece é uma oportunidade de evoluir, o medo de sofrer desaparece pouco a pouco. Trata-se de ver a dor física ou emocional como algo passageiro que nos ajuda a sermos melhores.” i Eu acrescentaria a esses dois elementos a repulsa, que da mesma forma que o apego nos torna vulneráveis porque implica fixar nossa mente, nossas emoções e nosso nojo em algo externo. Não, não adianta fugirmos da realidade, ou negá-la, precisamos antes, compreender que o mundo e todas as coisas que nos rodeiam têm uma razão, nada é por acaso, ou sem um desiderato perfeito que nos conduzirá ao progresso e à perfeição relativa em um determinado momento de nossas vidas eternas. Por último lembrem-se, a vida vale a pena ser vivida, principalmente quando a vivemos de forma altruísta e corajosa, valente mesmo, sem nos importarmos com a maior parte da plateia ruidosa e ignara. Um brinde à vida! i (Fromm, E. (2004). Psicoanálisis y budismo zen. El Árbol y el diván: diálogo entre psicoanálisis y budismo, 83, A83-dq.)

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